Economia

Importação de gasolina e diesel bate recorde e produção nacional cai

Entenda o motivo que levou o Brasil a uma política de combustíveis que é alvo de críticas, mas explicável diante do atual cenário

Cerca de 25% da gasolina e do diesel são trazidos do exterior | Foto: Divulgação/Corken

Fernando Mellis, do R7

O Brasil nunca comprou tanta gasolina e diesel de outros países como nos últimos dois anos. Em 2017, a alta das importações foi de 61%, na comparação com o ano anterior. No mesmo período, a produção nacional caiu 7%.

A crise envolvendo a paralisação dos caminhoneiros fez com que muitas pessoas criticassem a Petrobras e a estratégia de vender petróleo cru no exterior — crescimento de 82% as exportações no primeiro trimestre deste ano. Atribuiu-se a alta do preço dos combustíveis a esse movimento.

No entanto, especialistas ouvidos pelo R7 discordam e dizem que essa é a única garantia de que vai haver competitividade entre as distribuidoras que concorrem com a Petrobras.

Somados, gasolina e diesel importados responderam por 25% do que foi consumido pelo mercado brasileiro entre janeiro e abril deste ano, de acordo com números da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e do MDIC (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços).

Em 2017, as importações de gasolina subiram 53,4%, enquanto as de diesel aumentaram 63,6%, na comparação com o ano anterior. Os números do primeiro trimestre deste ano mostram aumento de 12% das compras dos dois combustíveis no exterior (veja gráfico abaixo).

Para se ter ideia, em 2016, de cada 10 litros de diesel consumidos no Brasil, 2 eram importados. Em 2017, de cada 10 litros, 3 litros vieram de outros países. As importações desse tipo de combustível bateram recorde no ano passado (desde que começou a série histórica da ANP, em 2000).

O crescimento das importações começou com mudanças na política de preços da Petrobras, que passou a se balizar pelo mercado internacional desde novembro de 2016, explica o sócio-fundador e diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infra Estrutura) Adriano Pires.

"Como ela [Petrobras] fez uma política de colocar prêmio alto na gasolina e no diesel para cobrir prejuízos do passado, isso influenciou as outras [empresas] a importarem. Ou seja, o diesel e a gasolina na refinaria da Petrobras estavam mais caros do que lá fora. Aí as distribuidoras concorrentes aumentaram as importações", diz.

No ano passado, a Petrobras respondeu por apenas 4,3% das importações de diesel e 21,4% da gasolina. O restante foi trazido de fora por distribuidoras que competem com a petroleira no mercado de distribuição.

A política de reajustes mensais de preços vigorou até julho de 2017, quando a Petrobras adotou reajustes mais frequentes, até diários, mantendo como referência a cotação do barril de petróleo no mercado internacional e a taxa de câmbio. Hoje, a companhia avalia que os preços da gasolina e do diesel praticados no Brasil estão de acordo com o exterior.

"A importação de combustível cria um mercado competitivo e tem que ser considerada uma coisa boa, no sentido de reduzir o monopólio da Petrobras. O importador vai buscar lá fora um produto com preço inferior ao que a Petrobras está praticando aqui", acrescenta o professor Ernani Torres, do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Torres considera que o único fator que garante importações são preços equiparados ao exterior. "A partir do momento em que se pratica um preço politicamente administrado [como era até outubro de 2016], você afasta importadores", acrescenta.

Refino e distribuição

O Brasil precisa comprar gasolina e diesel no exterior porque não é autossuficiente no refino de petróleo, ressalta a pesquisadora da FGV (Fundação Getulio Vargas) Energia Fernanda Delgado.

"Hoje, 98% do refino é monopólio da Petrobras. Nos últimos anos, ela decidiu investir na exploração do pré-sal e houve pouco investimento nas refinarias. Muitos projetos não acompanharam a demanda por combustíveis. [...] Seria bom que a gente pudesse refinar aqui porque não tem que pagar preço de frete internacional", explica.

Fernanda ainda avalia como "saudável" uma eventual perda de mercado da Petrobras para outras distribuidoras. "No Brasil, a distribuição de combustíveis é livre, o refino não, mas deveria ser. É isso [livre mercado] que cria competitividade, gera guerra de preços e é o consumidor que ganha. O [combustível] importado chega porque o nacional não consegue suprir", observa.

A ANP estimava, em 2016, que o Brasil precisaria de mais duas refinarias para evitar riscos de desabastecimentos até 2026. Uma das travas é o atraso das obras do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), paralisadas em 2015, cujo superfaturamento estimado pelo Tribunal de Contas da União ultrapassa R$ 544 milhões. Ainda não há previsão de quando serão retomadas as obras da área de refino.

O Brasil importou uma média de 526,6 mil barris de gasolina e diesel por dia em 2017. A projeção da ANP é de que esse número deva dobrar em 2030. 

Existem hoje no 152 distribuidoras de combustíveis e cerca de 170 empresas autorizadas a importar gasolina e diesel no país. Entretanto, 65% do mercado se divide entre BR Distribuidora (Petrobras), Raízen (Shell) e Ipiranga, sendo que essas duas últimas compram das refinarias da Petrobras e no exterior. A própria Petrobras também importa combustíveis.

As distribuidoras regionais costumam atender a pequenas redes de postos e também aqueles de bandeira branca (sem marca vinculada). A flexibilidade em escolher o fornecedor, inclusive no exterior, permite com que essas empresas tenham condições de oferecer um combustível até mais competitivo do que as grandes concorrentes.

A gasolina importada consumida no Brasil em 2017 veio principalmente dos Estados Unidos (40%) e Holanda (40%), além do Reino Unido, Bélgica e Rússia. 80% do diesel importado vem dos Estados Unidos. Vale ressaltar que o país tem 139 refinarias, enquanto o Brasil possui 17, sendo 14 da Petrobras.

Preços subiram no mundo todo

Combustível importado não significa combustível mais caro, diz o diretor do CBIE. A valorização de 70% do preço do barril de petróleo (de junho de 2017 a maio de 2018) refletiu em todos os mercados.

Nos Estados Unidos, o preço médio do galão de gasolina (3,78 litros) vendido nos postos saltou de US$ 2,52 no começo de junho de 2017 (o equivalente a R$ 2,46/litro na cotação atual) para US$ 3,01 (cerca de R$ 2,94/litro) na semana passada: alta de quase 20%, de acordo com a Administração de Informações sobre Energia dos EUA. É o valor mais elevado em três anos e meio.

Até mesmo na Europa — onde alguns países têm mecanismos para amortecer movimentos de alta do barril do petróleo — o litro da gasolina subiu de 1,34 euro (aproximadamente R$ 6,19 na cotação atual), em média, para 1,47 euro (R$ 6,79).

A última vez que o valor da gasolina havia ficado acima de 1,40 euro (R$ 6,47) havia sido em agosto de 2015, conforme dados da Comissão Europeia. Na Espanha e na Itália, por exemplo, o preço médio do litro de gasolina na semana passada foi o mais alto desde outubro de 2014.

O preço médio do litro de gasolina vendido nos postos brasileiros foi de R$ 3,60 (maio/2017) para R$ 4,28 (maio/2018): alta semelhante à norte-americana: 18,8%.

Aumento da exportação de petróleo

A Petrobras aumentou em 82% as exportações de petróleo bruto no primeiro trimestre deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado, totalizando 18,2 milhões de barris.

Executivos da Petrobras alegam que as refinarias trabalham com "um ponto ótimo de processamento" de petróleo para a produção de diesel e da gasolina. A partir de determinado limite, são produzidos derivados com menor valor agregado, como o óleo combustível (usado na indústria).

A companhia calcula que quando quando começam a ser produzidos derivados que valem menos do que o petróleo usado como matéria-prima e cujo mercado é restrito, vale mais a pena vender petróleo cru no mercado internacional e abrir espaço para a importação do combustível pronto.

Na prática, dizem, uma certa ociosidade da refinaria não necessariamente significa que ela seria mais produtiva se utilizada plenamente. O professor Ernani Torres, da UFRJ, concorda.

"Eu não vejo isso [exportar petróleo] como um grande problema. Ela [Petrobras] não tem que perder dinheiro para maximizar o uso da refinaria. É importante ter refinarias que garantam a maior parte do abastecimento com segurança e isso existe hoje", diz.


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