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A história não contada: livro resgata biografias de mulheres brasileiras

De índias nativas a Marielle Franco, a obra de Paulo Rezzutti revisita fatos históricos e humaniza personagens femininas brasileiras

Marlon Lima *Estagiário

Redação Folha Vitória

Quando Vasco Fernandes Coutinho Filho, o segundo governante da Capitania Hereditária do Espírito Santo, morreu, em 1589, coube à sua esposa, Luiza Grimaldi, o papel de sucedê-lo. Dois anos mais tarde, o corsário da rainha Elizabeth I da Inglaterra, Thomas Cavendish, terminava de devastar covardemente a Ilha de Santos, na Capitania de São Vicente. O cruel e ambicioso explorador inglês saqueou e matou metade dos habitantes da região. De cofres cheios e sem mais o que subtrair do lugar, ele decidiu que era hora de partir.

O pirata escolheu a Vila de Vitória como novo destino. O motivo? Chegou aos seus ouvidos que a terra era muito rica, fértil e... governada por uma mulher. O último dos três atributos fez brilhar os olhos do almirante. A gestão feminina, julgou Cavendish, tornava a região um lugar absolutamente fácil de ser dominar. O corsário acreditou que poderia fazer em Vitória o mesmo que fez em Santos, e o melhor: sem encontrar qualquer resistência.

Ele estava errado. Quando os três navios e as duas galeras utilizadas pelos criminosos apareceram no horizonte, Luiza Grimaldi e a população capixaba percebeu que alguma coisa estava errada. Na manhã do dia 08 de fevereiro de 1592, Cavendish e aproximadamente 120 homens entraram em barcos para se aproximar do continente, pois o canal não suportava suas naus. A recepção foi calorosa: uma chuva de flechadas despencou sobre eles. Atingido, Cavendish morreu no mar, humilhado e derrotado por uma mulher - alguns historiadores brincam que este foi o real motivo da sua morte, e não a flechada.

Luiza Grimaldi foi destituída pelo rei Felipe II em 1593, que não gostou de saber que uma figura feminina ocupava o mais alto cargo de administração da Colônia. A história de Luiza e de mais de 250 personagens femininas brasileiras estão presentes no livro ‘Mulheres do Brasil - A história não contada’, de Paulo Rezzutti, lançado neste mês pela editora Leya. "Algumas [mulheres] me detenho mais, outras são mencionadas de passagem. Me diverti mostrando, por exemplo, que tanto a Xica da Silva quanto a Dona Beja nada tinham de 'mulher fatal', esses mitos foram construídos pelos homens", afirma Rezzutti.

Ele conta que a obra é dividida por temas, como as ‘Mães do Brasil’, em que são apresentadas as três matrizes iniciais do brasileiro: as índias, as brancas e as negras. Outros falam a respeito das heroínas e bandidas, das mulheres no poder e o poder das mulheres e sobre elas nas artes, como artistas e como mecenas. Além disso, discute a dualidade e o maniqueísmo entre o que se entende e o que se entendia sobre a bondade e a maldade das mulheres.

O autor, Paulo Rezzutti, é um pesquisador consagrado em narrativas históricas. Ele assinou uma premiada biografia sobre o primeiro imperador do Brasil, Dom Pedro I, e também mergulhou na trajetória das duas principais mulheres da vida do monarca: a esposa, D. Leopoldina, e a amante Domitila - assim mesmo, sem vírgula em torno do nome; como determina a norma culta acerca de referências a indivíduos que não ocupam unicamente a função indicada no texto.

Paulo Rezzutti, 46, diante do Monumento à Independência do Brasil, em Ipiranga, São Paulo. Ele é biógrafo do imperador Dom Pedro I e da imperatriz Leopoldina.

Com exceção da obra sobre a Marquesa de Santos, os títulos fazem parte da série ‘histórias não contadas’, iniciada em 2015. Portanto, ‘Mulheres do Brasil’ completa uma trinca. "Virão ao menos três novos livros. A ideia é da série é dar uma 'quebrada' na ideia cristalizada a respeito de nossa história, é revisitar alguns fatos e alguns momentos e acharmos mais detalhes e humanizar mais os personagens históricos", explica Rezzutti.

A vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada em março, no Rio de Janeiro, não estava incluída originariamente no livro. Mas, diante do simbolismo que marcou a morte brutal da socióloga que criticava a atuação da Polícia Militar em operações nas favelas do Rio, Rezzutti achou fundamental torná-la presente na obra. "Essa questão do silenciamento da voz feminina também é físico e no caso dela não calou somente o pensamento dela, mas o de todos que votaram nela e que viam nela uma representante do povo eleita, foi necessário contar a história dela. Foi muito triste ter que registrá-la dessa maneira", lamenta.

Arquiteto, biógrafo, pesquisador e escritor, Rezzutti é também youtuber. Com um público fiel e cativo nas redes sociais, ele conta que já houve momentos em que acrescentou ou se apronfudou em temas ou capítulos das suas pesquisas por conta da quantidade de pessoas interessadas no assunto. "Eu achei interessante essa história de criar o meu próprio espaço. É muito mais divertido porque há um relacionamento efetivo entre o escritor e o leitor", afirma.

O contato entre autor e público é tão importante que Rezzutti começou a elaborar uma biografia a respeito do imperador Dom Pedro II 'devido a enorme pressão' do público que acompanha o seu trabalho. "Não que não existam livros bons sobre o segundo imperador, mas a ideia das 'histórias não contadas', o que está de fora do padrão, agrada os meus leitores", avalia.

O próximo evento de lançamento de 'Mulheres do Brasil - A história não contada' acontece no sábado, dia 19 de maio, no Salão Carioca do Livro, na Biblioteca Parque Estadual, Rio de Janeiro. Haverá uma palestra, às 19h30, seguida de autógrafos.

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