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Em decisão inédita, STF determina que governo do Estado reduza superlotação em unidade socioeducativa

No documento enviado ao Supremo, a Defensoria do Espírito Santo apresentou inúmeras irregularidades quanto às condições dos detentos

André Vinicius Carneiro

Redação Folha Vitória
Unidade de Internação Norte (Unis Norte). | Crédito: Site de Linhares

O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que uma unidade de internação para menores do Espírito Santo reduza a superlotação para 119%. Os demais internos devem ser enviados para outras unidades até o mesmo limite. A cifra é a média de ocupação de internos em 16 estados, segundo levantamento de 2013 do Conselho Nacional do Ministério Público.

A decisão do ministro foi tomada na última quinta-feira (16), em habeas corpus coletivo impetrado pela Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) contra a Unidade de Internação Regional Norte (Unis Norte), em Linhares. Com a decisão, o número de internos deve cair de 201 para 90.

Para os casos de impossibilidade para adotar as medidas, os detentos restantes deverão ser transferidos para outras unidades que não estejam com capacidade de ocupação superior à 119%. Além disso, o habeas corpus poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar.

"Não há como desconsiderar a questão de fundo, socioeducandos internos da Uninorte de Linhares/ES, ou seja, grupo de pessoas determinadas ou determináveis, que estão a sofrer constrangimento ilegal, porque convivem em ambiente degradante de superlotação", afirmou o relator, ao rever o pedido de HC.

Na liminar, o ministro explicou que a medida segue as recentes decisões da Corte, no sentido que diante de violações de direitos que atingem a coletividade, cabe o emprego de Habeas Corpus coletivo. A solução adotada é "a que melhor se ajusta para minimizar e estabilizar o quadro preocupante", afirmou Fachin.

O ministro também admitiu o ingresso do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), da ONG Conectas Direitos Humanos e do Instituto Alana como amicus curiae. O relator considerou a legitimidade das organizações civis, "inclusive no que tange à experiência de seus representados com restrição de liberdade".

Segundo o Defensor Público Hugo Fernandes, a Defensoria Pública reivindicou a existência de uma série de condições que violam a dignidade da pessoa humana, como a superlotação, que podem ocasionar rebeliões, a não separação dos internos por idade ou tipo de ato infracional cometido, agressões, maus-tratos e tortura.

“A Defensoria formulou pedido equivalente no STF, requerendo o estabelecimento de um fluxo de ingresso e saída de internos com base na chamada regra numerus clausus a fim de evitar o aumento do número de internos e as consequências advindas desse aumento”, explicou o Defensor Público.

Em novembro de 2017, Fachin não reconheceu o pedido e aplicou a jurisprudência do STF, que entendia pela necessidade de identificar as pessoas beneficiárias do HC para a viabilidade da concessão.

"Se não há vagas, não pode prender"

De acordo com Henrique Apolinario, advogado do programa de Violência Institucional da Conectas, a decisão é um marco porque reconhece a ilegalidade do funcionamento do sistema de privação de liberdade brasileiro e impõe um teto de ocupação, acima do qual é considerado impossível o Estado fornecer um padrão mínimo de dignidade.

“A decisão efetiva um pleito antigo da luta contra a tortura: se não há vagas, não pode prender”, declarou Apolinário.

Para o advogado, é também emblemático o fato de o ministro Fachin reavaliar sua decisão anterior e ter concedido um habeas corpus coletivo. Em 2017, Fachin havia considerado incabível conceder um habeas corpus sem identificação dos beneficiários.

“É muito difícil para um adolescente privado de liberdade alcançar as cortes superiores, onde seus direitos podem ser garantidos. Nesse caso, o Supremo mostrou que a ordem de habeas corpus, o mais forte remédio jurídico contra arbitrariedades do Estado, deve se amoldar à violação: se a violação é sistêmica, então a luta por direitos também deve ser”, finalizou.

Este é o segundo habeas corpus coletivo concedido pelo STF. Em fevereiro, em resposta ao HC 143.641 impetrado pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos - CADHu, a segunda turma do STF determinou que todas as mulheres grávidas ou com filhos de até 12 anos, rés primárias e respondendo por crimes não violentos poderiam ter sua prisão preventiva convertida em prisão domiciliar. 

Condição precária

No documento enviado ao Supremo, a Defensoria do Espírito Santo apresentou inúmeras irregularidades quanto às condições dos detentos. Segundo o órgão, a superlotação existe desde 2015 e fomenta violência entre os reeducandos, causando rebeliões e motins. Além disso, não há "qualquer separação em razão de idade, compleição física, ato infracional cometido ou, ainda, tipo de internação".

Nas oitivas, os defensores públicos receberam relatos de agressões, maus tratos e torturas por parte de agentes socioeducativos e da Secretaria de Justiça do Espírito Santo.

Outro ponto abordado é a higiene e limpeza, que é muito precária. O documento apontou que há lixo nos arredores das moradias, esgoto exposto, mau cheiro, alta temperatura, mosquitos, baratas, larvas e até sapos. 

Outro lado

A reportagem do jornal online Folha Vitória conversou com o secretário de Direitos Humanos do Estado, Leonardo Oggioni Cavalcanti de Miranda. O secretário informou que o estado ainda não recebeu oficialmente a intimação, mas a partir do momento em que o documento for recebido, há um prazo de 30 dias para que o Espírito Santo informe ao STF as medidas a serem adotadas no caso.

Para o secretário, contudo, a análise dos casos precisa ser feita de maneira cautelosa e individualizada. "Temos que analisar caso a caso. Quem já está na iminência de deixar o sistema, quem pode receber essa progressão", explicou o secretário.

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