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Um ano de luta, dor e dança: 365 dias do acidente com o grupo de dança folclórica Bergfreunde

A dor das memórias do acidente que chocou o Espírito Santo e a luta pela punição dos responsáveis por 11 mortos e nove feridos em Mimoso do Sul

Raissa Bravim

Redação Folha Vitória

Dormindo na viagem de volta ao Espírito Santo após uma apresentação do grupo de dança do qual faz parte, a adolescente Nínive, de 15 anos, acordou e saiu pela janela do micro-ônibus. Ela foi a última a deixar o veículo após um acidente envolvendo quatro veículos que deixou 11 pessoas mortas, nove feridas e toda população capixaba consternada.

Há exatamente um ano, no dia 10 de setembro de 2017,  o grupo folclórico de dança alemã Bergfreunde, voltava de uma apresentação na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, quando uma carreta que transportava placas de granito se chocou contra o micro-ônibus onde eles estavam. O acidente aconteceu numa tarde de domingo, na BR-101, em Mimoso do Sul.

Erlinea Degen, mãe da jovem sobrevivente, afirmou que Nínive não teve ferimentos graves no acidente. A adolescente sofreu alguns arranhões e um edema na cabeça. Ela passou por exames em Cachoeiro de Itapemirim e foi liberada. Erlinea diz que a filha não gosta de falar sobre o episódio. "O mais difícil é superar a falta dos amigos. É muito doloroso para todos, pois nós também conhecíamos a maioria deles", diz Erlinea, que se tornou integrante do grupo após a tragédia, junto com o marido e pai de Nínive, para prestarem apoio a filha.

Em outubro de 2017, um mês após a tragédia, a rede API (Apoio a Perdas Irreparáveis) criou um grupo em Domingos Martins com o objetivo de realizar reuniões mensais  que pudessem ajudar o grupo Bergfreunde em seus desafios de retomar as atividades e sobreviventes e enlutados a passar pela dor do acidente. Toda a comunidade de Domingos Martins e grupos folclóricos não só do Espírito Santo, mas de todo Brasil, foram afetados pelo trágico acidente. Todos passam portanto por um luto coletivo, conceito explicado pela psicóloga e coordenadora da Rede API no Espírito Santo Daniela Reis. "É um fenômeno que ocorre quando acontece uma perda significativa em uma determinada comunidade".

Luto

Especialista em perdas e luto, Daniela Reis ainda diz que é difícil estipular um tempo médio para a duração do sentimento de perda de um ente querido. "Em termos gerais, é esperado um tempo entre dois e três anos para que uma pessoa ou uma família consiga ter estabilidade após uma perda", afirma Daniela, que destaca o primeiro ano como aparentemente mais difícil "pelas datas e memórias que as assolam. Neste período, o tempo pode tornar mais difícil esse processo, pois há a compreensão da irreversibilidade da perda e o aumento da saudade". 

De acordo com a psicóloga, a falta de punição para os responsáveis pelo acidente se torna um agravante no processo do luto. "É difícil encontrar sentido para algo que poderia ter sido evitado, a impunidade dos responsáveis pela tragédia torna este percurso ainda mais árduo. Por meio de nossas ações tem sido realizado um trabalho para facilitar este processo, o que não é fácil", determina.

Dança

A porta-voz do grupo folclórico Bergfreunde de Domingos Martins, Susana Koehler, afirmou que é lamentável o fato de os apontados pela Polícia Civil como responsáveis por causar o acidente, responderem ao processo em liberdade, um ano após a tragédia.

"Não foi um acidente, foi um crime. E esses assassinos estão soltos e podem fazer mais vítimas", diz Susana. A perda de mais da metade do grupo, no acidente, fez com que as atividades fossem interrompidas. Em janeiro de 2018, o grupo retomou as atividades. Susana disse ainda que os familiares das vítimas, tanto as que morreram, quanto as que sobreviveram, se apoiam mutuamente e trabalham juntos com o grupo, para que os ensaios, apresentações e demais atividades sejam mantidas. 

"O que a gente tem feito é dançar. O que a gente pode fazer pra manter essas pessoas vivas é continuar o trabalho que eles desempenhavam com tanto carinho, que é dançar". 

A representante do grupo disse também que, na próxima quinta-feira (13), os dançarinos participarão da Festa Alemã do Bairro da Borboleta em Juiz de Fora. A tragédia do ano passado ocorreu quando o grupo retornava deste mesmo evento.

Investigação e processo

O micro-ônibus com os 20 participantes do grupo Bergfreunde seguia pelo km 343, da BR 101 sul, na altura do município de Mimoso do Sul. A Polícia Civil concluiu o inquérito que investigava o acidente em outubro de 2017. De acordo com as investigações apresentadas, o motorista do caminhão que transportava chapas de granito, identificado como Wesley Rainha Cardozo, seguia pela BR no sentido Vitória x Rio de Janeiro. O motorista, que dirigia em velocidade excessiva, teria feito uma manobra proibida para ultrapassar outro veículo e perdeu a direção do caminhão, fazendo com que as placas de granito pendessem para o lado esquerdo e se soltassem dos cavaletes que davam apoio às rochas transportadas.

Com a conclusão do inquérito, o motorista do caminhão que transportava as chapas de granito, Wesley Rainha Cardoso, bem como o dono da transportadora, Marcelo José de Souza, foram autuados por 11 homicídios e 9 tentativas do mesmo crime. Entretanto, de acordo com consultas no site do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), o processo continua tramitando. O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) apresentou denúncia contra os réus ainda em outubro de 2017. 

Coleção de multas

No site do Departamento de Trânsito do Espírito Santo (Detran/ES) consta uma série de infrações de trânsito, do caminhão que transportava as chapas de granito. De acordo com o Detran, foram aplicadas 17 multas, no período de agosto de 2016, até junho de 2017. As infrações previstas pelo Código Brasileiro de Trânsito, encontradas no registro são: Art. 192, que consiste em 'deixar de guardar distância lateral e frontal entre o veículo e os demais; Art 209, que consiste em não efetuar o pagamento do pedágio; Art. 218, que é registrado quando o motorista transita em velocidade superior a permitida na via, além do Art. 187, que consiste em transitar em local ou horário não permitidos pela regulamentação. Todas as multas foram registradas em estradas do estado de São Paulo.

O dono do veículo também foi notificado por infringir alguns pontos do Art. 230 do Código Basileiro de Trânsito. Os registros foram feitos nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. As infrações consistem em dirigir um veículo que não esteja registrado e devidamente licenciado; dirigir veículo com velocímetro inalterado; conduzir veículo com equipamento obrigatório em desacordo; deixar de conservar o veículo na faixa destinada e conduzir transporte de carga sem informação do peso.  As três últimas infrações foram registradas no dia do acidente, em Mimoso do Sul. 

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