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Gente Capixaba: Os esquecidos de Terra Vermelha

Conheça a história dos moradores de Terra Vermelha, em Vila Velha, que vivem com o mínimo e se sentem esquecidos pela falta de água, luz e presença do poder público

“Era uma casa nada engraçada; não tinha luz e nem tinha água. Ninguém podia chegar até ela, não, porque a lama dificulta, irmão. Ninguém podia dormir tranquilo, porque a chuva inunda o caminho. Ninguém podia sorrir alí, porque motivos não tinham para si. Mas, admito, era feita com muito esmero, em Terra Vermelha, número zero”.

Utilizando como fundo a música “A Casa”, escrita pelo poeta Vinícius de Moraes, em 1980, é possível narrar uma realidade nada contente dos moradores de alguns bairros de Terra Vermelha, em Vila Velha, que - pasmem! - em pleno ano de 2017, não possuem água encanada e nem energia elétrica em suas casas. É isso mesmo, leitor, você não leu errado: eles imploram para compartilhar os padrões de energia dos vizinhos, na tentativa de encontrar a luz no fim do túnel de sua sujeição de esquecimento, enquanto conseguem água do poço ou da chuva para suprir a própria sobrevivência e de sua família.

A dona Marilda Moura, de 58 anos, é um exemplo vivo e doloroso dessa realidade. Desempregada e com um filho que possui necessidades especiais em casa, ela conta que quando escuta os pingos da chuva caírem no chão, já corre para pegar as vasilhas da cozinha e juntar água, mesmo durante as madrugadas. Mas, e se não chove?! Ela vai até a casa do filho com um carrinho-de-mão, a algumas quadras de distância, na busca do alimento tão sagrado e essencial.

Mas, se até aqui a dona Marilda foi a protagonista da narrativa, em seu bairro ela é apenas mais uma das muitas pessoas que vivem essa derradeira realidade em Terra Vermelha, que, de maneira unida, compartilham todo o abandono e descaso dos órgãos públicos. Orlandina Caetano, Eli Leopoldina, Argilene Silva Ataíde, Amanda Soares, Daniel Alves da Silva e Agildo Cristina são alguns dos muitos seres humanos encontrados por lá. Ou, melhor: “esquecidos”, como eles bem destacam.

E se, por ora, a chuva nutre os que não possuem água em casa, em outras ela é a responsável por devastar e atolar a vida dessa população. O vermelho não está presente de forma figurada no nome do bairro, mas encontra-se literalmente em cada milímetro do chão que os cerca. Poucos pingos que caem do céu já são o bastante para desesperá-los. Em maio deste ano, moradores ficaram ilhados por dez dias em casa. No entanto, existiram ainda os que se arriscaram em sair para trabalhar, como a doméstica Orlandina, que colocou os chinelos nos braços e foi até o ponto de ônibus, com as pernas sujas de toda imundice existente, para limpar a casa de seu patrão.

Porém, já acrescento que essa não foi a primeira vez. Nos últimos dez anos, idade média em que os residentes vivem por lá, o fato se repete sempre, fazendo com que os moradores nadem em meio de seus poucos móveis e percam tudo o que tem, o que já é quase nada. E aí vem o questionamento deles: até quando?!

Texto e foto de Saelly Pagung

Gente Capixaba

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com a história de gente que faz a história das nossas cidades e Estado. Os textos são parte de um projeto que envolve também publicações no Instagram do Folha Vitória, onde as fotos ajudam os personagens a contar suas próprias histórias.

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